sexta-feira, 13 de julho de 2007

METENDO O BICO

O Bico Doce é, além de nosso “oásis” no Centro da Cidade, um ponto de encontro entre amigos compartilhadores de nuances afins. Ali, nos reunimos para tergiversar sobre as intempéries da política, últimas novidades literárias, relatos de viagens, além de futebol e mulher.

Coadunamo-nos nas conversas e acabamos por formar um clube de amigos, onde não poderia também faltar a maledicência nata dos mexericos, das opiniões sobre todos seus freqüentadores. Acabamos por conhecer as idiossincrasias de cada um e nelas fazemos, entre uma garfada e outra, momentos de ironias, elogios e críticas.

Já há muito, ensaio por aqui certos escritos sobre os episódios daquele bar que se tornou a extensão de nossos boêmios lares, mas isto é coisa pra depois. Falo hoje sobre um dos momentos de tristeza ao qual aquelas toscas mesas conduziram minha volta a casa neste fim de dia.

Passei por lá, como sempre o faço antes de encarar meus alunos e pude ver o Cláudio, com sua inefável barriga, a expulsar seus visitantes, agitando barulhentamente as cadeiras e arrastando as mesas para o fétido beco de além porta. Haveria festa. Mas que diabos de festa seria aquela? Não vi ninguém combinando coisa nenhuma...

Um grupo de “doutores-sei-lá-de-onde” mandou fechar a casa para seu rompante. Ta bom, levamos na brincadeira; afinal de contas tudo ali acaba mesmo em jocosidades. Dei-me ao trabalho, mas sem antes não pensar no retorno. Os rugidos de sempre: “-Eu bem que queria assistir esta aula, He He!” “- Vamos lá, Áquila; como conseguirá atender aos apelos de seus alunos? Já envergastes quatro paratis...”

Bem, não estava mesmo para brincadeiras e segui meu ritual. Retomei ao Beco das Cancelas, já no pôr da noite e encontrei todos nas trôpegas calçadas. Havíamos sido expulsos de nosso próprio lar! Não fosse o sorriso tenso do Cabral, grande anfitrião, com certeza já haveríamos partido em busca de outros balcões. Nosso minúsculo salão, invadido por luzes psicodélicas a rasgar a penumbra que nos conforta em final de noite, habitava-se de jovens com pulseiras movidas a neon, tatuagens coloridas e música, infernalmente afugentadora. Cigarros com odores agridoces, imaturidade e distância abismal de seus fiéis freqüentadores que, a essa hora, jorravam sono nas pedras portuguesas de suas calçadas.

O Rodrigo me ofereceu carona e entre algumas brincadeiras, recobramos passagens de nosso Rio Antigo. Iria eu para o Estácio e o vi fazer volante pela Rua Larga; logo gritei: - amigão, vá pela Mata Cavalos! Ofereceu-me, o bom amigo, caminho seguro até meu destino e troçou-me de minha bebedeira. Foi o desfecho vingativo. Ainda que silenciosamente, pudemos atribuir àquela noite; dando-nos a certeza de que a paixão pelo Rio de nossa época, as músicas de Pixinguinha e Adoniram Barbosa continuam sendo nosso esteio nas mesas do Bico Doce. Que se foda aquela garotada!

Áquila.