sábado, 5 de janeiro de 2008

Les jardins de F. mon ami

A brisa que vem do mar inspira-me os sentidos e vejo-te a cada lufada do vento sobre as copas das árvores. Inalo à distância, seu perfume nas flores insistentes dos caminhos por onde ando.

Sem sua presença, amada creia, a longevidade dos dias tenebrosos ainda estariam açoitando no lamaçal do tédio.

Hoje, já no outono de minha existência, retomo a confabulação dos poetas, meus versos procuram viço e ecoam-se nas melodias de sua beleza.

Bem-aventurada esta nossa nau! Sou marujo que anda sempre a navegar no mar esplêndido da paixão. Meu leme fiel guia-se sob a rosa dos ventos de seu amor e nosso porto é o mar aberto da poesia.

Sê bem-vinda aos jardins férteis de paixão que minh´alma oferece e continue a regar-lhe os canteiros com seus gestos de amor.

Jean Lafite.

Prosa do Rubião

MINHA NEGA

(Rubião Ferreira)


Cheguei em casa meio que "puto". O dia havia me sido horrível, as idiossincrasias de meus comparsas, insuportáveis. Fedia a óleo diesel, o carro deixou de obedecer aos comandos dos pedais (aqueles apenas que reconheço como obedientes) e o seguro já estava falido. Não houve reboque; deixei a geringonça por lá, em meio a ruas ignóbeis, fadadas à violência abençoada pela imagem do Cristo Redentor. Dane-se! É um amontoado de peças velhas mesmo...

Subia a alameda de concreto, pachorrentamente, suarento e muitíssimo mal-humorado. Dei-me com vizinhos que não via há séculos, pois entre mim e eles havia a janela "insufilmada" do carro protetor. Parei! Satisfiz inúmeras curiosidades e deitei conversa tosca sobre as plantas novas que a prefeitura nos impôs nas calçadas. Um velho amigo resolveu reclamar sobre a performance de seu motor e eu fiquei a ouvi-lo, como se discutisse futebol. Sim, pois quando querem falar sobre tal assunto, descobri que a maneira mais correta é concordar com aqueles postulados e exercer a paciência necessária para ouvir sem questionar; até porque nada conheço de tal paixão-nacional e odeio esse esporte.

Depois de longa peregrinação pelas fofoqueiras e "interessados vizinhos", dei-me ao lar. Minha nega me esperava... Foi tão gentil comigo... Entendeu minhas mazelas, roubou-me ao leito e destilou-me carinhos incompreensíveis. Esperava que ela rodasse sua baiana sobre a face deste seu malandro, mas a crioula fez-se de carisma inenarrável; ofertou-me beijos, catou cravos em minhas orelhas, ofereceu-me a boca sedenta e permitiu-me açambarcá-la nas origens de meus carinhos.

A Nega apertou-me as carnes cansadas, deu-me beijos insanos e rasgou-me a pele com suas unhas supostamente-suaves. Vi-me no Parnaso! O sono mesclou-se com a excitação e nada pude compreender. Apenas um turbilhão de prazeres interpôs-se entre nós.

Dei-lhe algumas solapas e pude olvidar àqueles ais de física indigestão.

A tarde, orquestrada pelos ponteiros do relógio, alertou-nos da responsabilidade tão admiravelmente esquecida.

Minha nega deve agora estar preparando o prato que não poderei comer. Que pena! Mas não haverá quitute que possa suplantar tantos momentos de carinho.


Rubião Ferreira.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Noute

Noute, noute; eis-me aqui em seu seio.

Levai-me, noute

Levai-me a teu luar.

Traga contigo o negro anjo e ofertai-lhe a face o singelo beijo.

Beijai-me, negrume das espécimes, beijai-me!

Leva-me contigo, desgarrido cavalheiro

Abrantai-me o sofrimento com sua mortalha de seda.

Porém, leve-me; leve-me!

UM LAR (por Alan Ford)


 

    Muitas vezes, ainda na adolescência, quando aflorava minha paixão pelas ciências, abstraia-me a observar meu velho pai sentado em sua cadeira de balanço, já há anos sem sair de casa nem mesmo para as rotinas mais vulgares como comprar o pão e leite pela manhã, ou os jornais do dia. Não que a saúde o impedisse, ele era até bem forte para a idade, mas por que assim o queria. Ficava ali, mirando as samambaias da varanda, balouçando com as mãos as delicadas folhas da avenca e, maquinalmente, empurrando pra frente e pra trás a velha cadeira, repetindo um infinito ranger que até hoje me ecoa nas lembranças.

    Eu me entertia com os estudos elementares de química ao mesmo tempo que outra parte de minha curiosa mente deleitava-se com as inúmeras possibilidades que a ciência da eletrônica descortinava. Ele, vez por outra, questionava-me sobre alguns experimentos, mas logo se enfadava das orgulhosas explicações e voltava às suas mini-tarefas. Naqueles momentos eu conjecturava em como seria seu contato com o mundo novamente. Como um homem que viu o dirigível revolver os céus da capital, passou incólume por duas guerras e registrou o seu tempo em fotografias tomadas de uma Roleyflex enxergaria as transformações que se avolumaram no planeta enquanto ele perpetuava o som da madeira no vai-e-vem da cadeira na varanda?

    A tecnologia, hoje, remonta aquelas mesmas sensações que tive em um eixo de tempo muito mais curto e injusto com aqueles que se apegam a tradições. A eletrônica que outrora figurava-se em minha mente como o supra-sumo da rebeldia ante um mundo arcaico e linotipado por artefatos mecânicos ficou já relegada à condição de ciência auxiliar. A informática arrebatou-lhe a coroa. Quase não se concebe mais o universo-aldeia sem as acrobacias dessas velocíssimas máquinas de cálculo. Compete tão acirradamente com as outras tecnologias e suplanta-as com tal destreza que a não ficar ociosa passa a competir consigo mesma.

    Visitando um velho amigo da estrada de ferro, encontrei-o em casa diante de um computador e falando ao celular. O diálogo me soou conhecido, pois era o linguajar utilizado pelos agentes de estação quando dos trabalhos relacionados ao tráfego das composições. Ora, antigamente fazia-se este serviço dependurado sobre uma estação rádio-operadora em que o trabalhador era praticamente obrigado a gritar no microfone para enviar sua mensagem e colar os ouvidos no alto-falante tentando filtrar a voz do companheiro em meio aos ruídos de estática e ao ensurdecedor trepidar das rodas dos vagões amalgamando os trilhos sobre dormentes. Havia o telégrafo, verdadeiro pânico dos novatos, que levava a quilômetros seus bips longos e curtos, cumprindo com eficácia o papel de carteiro eletrônico. Dei graças quando aquela parafernália acabou, mas confesso que ela possuía um certo charme.

    Apesar de me regozijar com o saudosismo, não me alienei do mundo como o fez meu pai, mas também resisti à metamorfose que me tornaria o "homo-tecnologicus" , gênero comum da contemporaneidade. Ainda sinto prazer em usar a caneta tinteiro, amassar as letras com o "mata-borrão" e experimentar as lições alquímicas num tosco cadinho. Manusear tubos de ensaio e produzir fragrâncias é como estar mais próximo da natureza, aquela natureza que passamos a conhecer apenas através das telas de vídeo.

    Conheci lares, mas nunca os tive por meus. O universo se minimizou e seus co-habitantes enclausuraram-se sob a máscara da segurança. Sou filho do mundo, meus braços, tentáculos das árvores; todo o meu corpo, um prolongamento dos troncos frondosos que me agasalharam na jornada. Destarte todo o mecanicismo, meu coração clama por sossego, um espaço onde me sinta dono de algo, velhos livros, bons amigos, comida caseira e quem sabe, um amor a quem me dedicar.


 

(Alan Ford)

Ano último do primeiro milênio.

MEUS AMIGOS POETAS.


Sou diacrônico em sua vida, posto que houve época para meu nascimento; mas isto não se dá a qualquer ser vivo? Fosse sincrônico e ele não lançaria mão de minha companhia, pois não se ressuscitam os mortos. Vivo intensamente os seus dias e me sobreponho aos demais. Sou jovem e, de certa forma, afeito à rebeldia que marca a juventude. Escrevo com a liberdade dos descomprometidos e desleixo daqueles que não se dedicaram aos estudos formais. Danem-se meus outros companheiros, eu lhe basto; fervilho-lhe a carne trêmula de emoções e aventuras hercúleas, dou-lhe a paixão efervescente da altivoz que sai dos pulmões e se espraia por sobre as almas ouvintes. É do balouçar de meus loiros cabelos ao vento que ele possui notícias da liberdade, liberdade que não abro mão, liberdade que me fia a existência como bem maior. Eu sou o tudo e tudo posso, não tenho medos e até os que já me juraram acabaram por desistir da idéia; atiro-me ao mar e saio em outra praia rejuvenescendo sempre, deixando pra trás os trapos de minhas desditas. Poderia ele viver sem mim? Duvido.

(Alan Ford)



Desde que conheci meu insólito amigo, e lá se vão muitos anos, tenho-o acompanhado em seus devaneios, suas angústias e amores. Travamos a empatia quando de um café solitário na Manon e desde então sua personalidade tem me seduzido, as preferências pelos mesmos tipos de letras, os passeios inesquecíveis pelo Rio de Janeiro de nossos sonhos. Somos ambos párias de uma vida social injustiçada, mas não nos lamentamos além do aceitável, compartilhamos nossos poucos recursos e fazemos deles momentos de grande prazer. Quando me quer o ombro por consolo, ofereço-o, pois também sei o quanto dói a solidão e o desejo de estar uno a alguém. Somo-nos!

(Jean Lafite)


Filho meu, presta ouvidos a tua voz interior. Vê com os olhos do coração e oiça na benevolência da alma minhas palavras de afeto. Sê, sem temores; Anda, pois guiarei teus passos. Expõe-te todos os dias a Athon e deixa o sol da felicidade resplandecer o teu sorriso. Cá'stou a agasalhar-te do frio da tristeza e a escudar-te dos injúrios da existência. Olha pro céu! Vês o azul? É a imensidão de meus olhos a te conduzir. Vem, filho, que meus braços são fortes para sustentá-lo quando a estrada lhe doer os pés na caminhada.

(R. Ferreira)



Eis-me: um corpo disforme, u'a alma flanante, um coração que insiste em me acompanhar mesmo quando dele fujo. Minha espada enferrujou na bainha por não ter inimigos para combater, meus olhos mimetizaram-se no cinza da velhice por não terem mar pra se derreterem. Visto-me com os trajes da desesperança e dou-me ao garrote vil d'uma existência inexistente. Apossar-me de verbos ativos como ser, querer, existir; é danação que impõe-me o desejo de desejar sem poder, de querer sem ser e de existir sem nunca ter sido. Findei-me quando nasci.
(Aquila)


Aprendendo Alemão


A língua alemã é relativamente fácil. Todos aqueles que conhecem as línguas derivadas do latim e estão habituados a conjugar alguns verbos podem aprendê-la rapidamente. Isso dizem os professores de alemão logo na primeira lição.
Para ilustrar como é simples , vamos estudar um exemplo em alemão:

Primeiro, pegamos um livro em alemão, neste caso, um magnifico volume com capa dura, publicado em Dortmund, e que trata dos usos e costumes dos índios australianos Hotentotes (em alemão,

"Hottentotten").

Conta o livro que os cangurus (Beutelratten) são capturados e colocados em jaulas (Kotter), cobertas

com uma tela (Lattengitter) para protegê-las das intempéries. Estas jaulas, em alemão, chamam-se

jaulas cobertas com tela (Lattengitterkotter) e quando possuem em seu interior um canguru, chamamos ao conjunto de "jaula coberta de tela com canguru" (Lattengitterkotterbeutelratten).

Um dia os Hotentotes prenderam um assassino (Attentater), acusado de haver matado a uma mãe (Mutter) hotentote (Hottentottermutter), mãe de um garoto surdo-mudo (Stottertrottel). Esta mulher, em

alemão, chama-se (Hottentottenstottertrottelmutter) e a seu assassino chamamos, facilmente, de

(Hottentottenstottertrottelmutterattentater).

No livro, os índios o capturaram e , sem ter onde colocá-lo, puseram-no numa jaula de canguru

(Beutelrattenlattengitterkotter).

Mas, incidentalmente, o preso escapou. Após iniciarem uma busca, rapidamente vem um guerreiro

Hotentote gritando:

- Capturamos um assassino! (Attentater)

- Qual? pergunta o chefe indígena.


- O Lattengitterkotterbeutelratterattentater, comenta o guerreiro.

- Como? O assassino que estava na jaula de cangurus coberta de tela?, diz o chefe dos Hotentotes.

- Sim, responde a duras penas o indígena. O assassino da mãe do garoto

surdo-mudo.(Hottentottenstottertrottelmutteratentater)

- Ah, demônios - diz o chefe - você poderia ter dito desde o inicio que havia capturado o

(Hottentotterstottertrottelmutterlattengitterkotterbeutelrattenattentater).

Assim, através deste exemplo, podemos ver que o alemão é facílimo e simplifica muito as coisas.

Basta um pouco de interesse!!!

Alan Ford (1999)

VELHOS TEMPOS


Estive na feira hyppie para visitar um velho amigo. Existem eventos em nossas vidas que nos preparamos pra eles com um grau de importância quase que sacramental, premeditando como será na hora H, estudando os gestos a serem articulados, as palavras aplicadas. Nos preparamos para estas ocasiões quase que como seguindo um ritual. Este foi um destes momentos, pensava em cada instante, olhava pra barriga e pensava na reação do meu companheiro em me ver assim com uma vida tão sedentária, bem diversa da daqueles tempos dos sonhos de uma liberdade quimérica, das músicas que traduziam os anseios juvenis, do namoro escandaloso a espinhar a sociedade... Vesti a camiseta que parecia mais descontraída - em contraste com minhas talhas sóbrias demais para quem já foi um pequeno revolucionário de costumes- e ainda assim me sentia um capitalista conformado em sua roupagem de domingo-caseiro.

Mas, a vontade de resgatar antigas lembranças era grande e lá fui eu, imbuído de todo este ar solene de quem vai à missa do galo, rumo ao passado. Destarte algumas barracas de artesanatos, pouco se via daquilo que foi , outrora, o local-símbolo de uma geração. Quase ninguém circulando, muitos camelôs e nenhum idealista. Não tive dificuldades em encontrar o velho estradeiro; nosso abraço encobriu com nuvem fresca e reconfortante todas as diferenças que a vida nos impôs, nossos trajes, o sabonete e a ausência dele, o pente e o desmanche; tudo se diluiu ante aquele olhar marejado de emoção. Minhas apreensões fizeram-nos rir e eu pude me relembrar do que é o verdadeiro amor. O bom hyppie não perguntou pela minha pressão ou se eu tinha ganho algum dinheiro com investimentos mas, preocupou-se em saber de minhas aventuras, meus amores e novas descobertas que eu tivesse feito sobre a natureza.

Enquanto falávamos ele agrupava seus artesanatos na débil barraquinha, num gesto de tamanha paciência que não pude me furtar a uma íntima lamentação sobre o açoite com o qual a vida vem me castigando nestes últimos anos; quem me dera aquela paz interior, aqueles dois brilhantes serenos de sua face, fonte cristalina de tranqüilidade e certeza.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

POUR ANONYMOUS

Invade à tarde quente, o fervor do verão carioca. Não, não conto as horas para a passagem do ano, meu calendário é outro.

Rogo aos deuses uma farpa de seu verdejante olhar. Suplico a Chronus um lampejo de sua presença antes que os fogos tentem esfumaçar aquele brio que tanto me move rumo a seus olhos.