sábado, 5 de janeiro de 2008

Prosa do Rubião

MINHA NEGA

(Rubião Ferreira)


Cheguei em casa meio que "puto". O dia havia me sido horrível, as idiossincrasias de meus comparsas, insuportáveis. Fedia a óleo diesel, o carro deixou de obedecer aos comandos dos pedais (aqueles apenas que reconheço como obedientes) e o seguro já estava falido. Não houve reboque; deixei a geringonça por lá, em meio a ruas ignóbeis, fadadas à violência abençoada pela imagem do Cristo Redentor. Dane-se! É um amontoado de peças velhas mesmo...

Subia a alameda de concreto, pachorrentamente, suarento e muitíssimo mal-humorado. Dei-me com vizinhos que não via há séculos, pois entre mim e eles havia a janela "insufilmada" do carro protetor. Parei! Satisfiz inúmeras curiosidades e deitei conversa tosca sobre as plantas novas que a prefeitura nos impôs nas calçadas. Um velho amigo resolveu reclamar sobre a performance de seu motor e eu fiquei a ouvi-lo, como se discutisse futebol. Sim, pois quando querem falar sobre tal assunto, descobri que a maneira mais correta é concordar com aqueles postulados e exercer a paciência necessária para ouvir sem questionar; até porque nada conheço de tal paixão-nacional e odeio esse esporte.

Depois de longa peregrinação pelas fofoqueiras e "interessados vizinhos", dei-me ao lar. Minha nega me esperava... Foi tão gentil comigo... Entendeu minhas mazelas, roubou-me ao leito e destilou-me carinhos incompreensíveis. Esperava que ela rodasse sua baiana sobre a face deste seu malandro, mas a crioula fez-se de carisma inenarrável; ofertou-me beijos, catou cravos em minhas orelhas, ofereceu-me a boca sedenta e permitiu-me açambarcá-la nas origens de meus carinhos.

A Nega apertou-me as carnes cansadas, deu-me beijos insanos e rasgou-me a pele com suas unhas supostamente-suaves. Vi-me no Parnaso! O sono mesclou-se com a excitação e nada pude compreender. Apenas um turbilhão de prazeres interpôs-se entre nós.

Dei-lhe algumas solapas e pude olvidar àqueles ais de física indigestão.

A tarde, orquestrada pelos ponteiros do relógio, alertou-nos da responsabilidade tão admiravelmente esquecida.

Minha nega deve agora estar preparando o prato que não poderei comer. Que pena! Mas não haverá quitute que possa suplantar tantos momentos de carinho.


Rubião Ferreira.