quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

VELHOS TEMPOS


Estive na feira hyppie para visitar um velho amigo. Existem eventos em nossas vidas que nos preparamos pra eles com um grau de importância quase que sacramental, premeditando como será na hora H, estudando os gestos a serem articulados, as palavras aplicadas. Nos preparamos para estas ocasiões quase que como seguindo um ritual. Este foi um destes momentos, pensava em cada instante, olhava pra barriga e pensava na reação do meu companheiro em me ver assim com uma vida tão sedentária, bem diversa da daqueles tempos dos sonhos de uma liberdade quimérica, das músicas que traduziam os anseios juvenis, do namoro escandaloso a espinhar a sociedade... Vesti a camiseta que parecia mais descontraída - em contraste com minhas talhas sóbrias demais para quem já foi um pequeno revolucionário de costumes- e ainda assim me sentia um capitalista conformado em sua roupagem de domingo-caseiro.

Mas, a vontade de resgatar antigas lembranças era grande e lá fui eu, imbuído de todo este ar solene de quem vai à missa do galo, rumo ao passado. Destarte algumas barracas de artesanatos, pouco se via daquilo que foi , outrora, o local-símbolo de uma geração. Quase ninguém circulando, muitos camelôs e nenhum idealista. Não tive dificuldades em encontrar o velho estradeiro; nosso abraço encobriu com nuvem fresca e reconfortante todas as diferenças que a vida nos impôs, nossos trajes, o sabonete e a ausência dele, o pente e o desmanche; tudo se diluiu ante aquele olhar marejado de emoção. Minhas apreensões fizeram-nos rir e eu pude me relembrar do que é o verdadeiro amor. O bom hyppie não perguntou pela minha pressão ou se eu tinha ganho algum dinheiro com investimentos mas, preocupou-se em saber de minhas aventuras, meus amores e novas descobertas que eu tivesse feito sobre a natureza.

Enquanto falávamos ele agrupava seus artesanatos na débil barraquinha, num gesto de tamanha paciência que não pude me furtar a uma íntima lamentação sobre o açoite com o qual a vida vem me castigando nestes últimos anos; quem me dera aquela paz interior, aqueles dois brilhantes serenos de sua face, fonte cristalina de tranqüilidade e certeza.